terça-feira, 28 de abril de 2009

Outsider

O jornalista e dramaturgo Nelson Rodrigues colecionou desafetos e polêmicas em sua carreira. Avesso à hipocrisia moral, tornou-se um ícone e um intelectual de respeito, dentre outras coisas, por suas belas tiradas e frases de efeito. Uma delas, inesquecível e atemporal, resume bem o estado de espírito de sociedades conservadoras como as de cidades interioranas.


“Toda unanimidade é burra”. A frase, antológica e repetida à exaustão, não só é autofágica e autoafirmativa como também serve de exemplo à idéia que pretendo passar.


Numa cidade como Adamantina pulula a hipocrisia da falsa virtude. O manual da boa convivência tende a exaltar a mediocridade, no sentido original da palavra, o que nivela o pensamento num baixo nível de reflexão. Essa atitude tem como objetivo manter, de forma dissimulada, as relações sociais e profissionais de um pequeno município.


O exército da moralidade está sempre vigilante e não hesita em apontar os transgressores. A teatralidade nos gestos, nos rituais e nas falas delineia uma sociedade passiva, típica das cortes europeias decadentes que não percebiam que os tempos estavam mudando. A subserviência é estimulada desde a infância e poucos se sentem confortáveis em arriscar.


O outsider, denominação anglo-saxã para aquele que não se enquadra e que vive à margem dos dogmas sociais, é digna de respeito. Levantar bandeiras e defender pontos de vistas contrários ao senso comum é algo raro no atual contexto. As próprias famílias se envergonham dessas condutas, precisando explicar, segundo a ótica do senso comum, as atravessadas opiniões desses dissidentes.


Nos últimos dias, um senhor de conhecida família adamantinense, decidiu expor seu ponto de vista sobre a reforma de um importante prédio da cidade. Dirigiu-se ao rádio e, valendo-se de sua liberdade de expressão, defendeu a sua lógica. Fato raro. Talvez, apenas tenha canalizado a opinião de muitos. Talvez.


Na verdade, há um misto de repulsa e admiração nesse caso. O que temos visto é que o homem médio, assalariado, “pai de família”, quando não tem preguiça de refletir sobre determinadas questões, se acovarda diante delas. Em sinal de submissão, rememora os rituais que vêm se repetindo ao longo dos anos, aos quais ele não ousa desobedecer. As “blasfêmias” dos outros servem como ópio para sua passividade. Esse prazer íntimo em contestar a hierarquia, mesmo de forma velada, é sentido em pequenas doses, dadas por aqueles que não hesitam em pensar e em manifestar seu pensamento.


Voltaire, grande filósofo francês, deixou algo que deve ser refletido. Ao afirmar que não concordava com o que muitos diziam, mas que lutaria pelo direito delas dizerem, defendeu um senso de liberdade poucas vezes vivenciado. Esse pensamento deveria estar grafado na entrada de Adamantina. Seria algo de que todo adamantinense, de forma verdadeira, poderia se orgulhar.