quarta-feira, 17 de junho de 2009

Da escravidão às cotas raciais

Como de costume, 13 de maio, dia em que foi assinada a Lei Áurea em 1888, passou despercebido em quase todo o Brasil. Fora do calendário oficial, a abolição se tornou mais um fato colocado no rodapé da história, que pouco ou nada diz às pessoas. A questão dos feriados no Brasil é fato que merece atenção. Longe de escolhas aleatórias, as datas comemorativas servem para legitimar opiniões e construir a consciência nacional.


O Brasil foi o último país da América a banir o trabalho compulsório e a oficializar o princípio jurídico da igualdade. Reivindicada pelos ingleses, que queriam ampliar seu mercado consumidor, e pela intelectualidade nacional, que via a escravidão como um entrave à modernidade, a abolição foi a ruína da base política do Império e mal assimilada por setores da tradicional elite escravista. Muitos não viam com bons olhos a ideia de trabalho assalariado.


Na época, o real significado da lei para a população escrava não foi mensurado. Sem teto e escolaridade, milhões de libertos perambularam pelas principais cidades à procura do que fazer. De um lado, sufocada pelo estigma da indolência e do atraso; de outro, pela onda de imigrantes europeus que aportavam no país, a grande massa negra se viu marginalizada nas décadas iniciais da República. Restavam-lhe os subempregos e as periferias.


Até 1970, 90% da população negra do Brasil era analfabeta. Segundo muitos, embasados em teorias meritocráticas, a condição do negro é condizente com a pouca aptidão para assuntos intelectuais. Nessa perspectiva a análise não se assenta na sociologia, e sim na genética. Questão defendida pelos eugenistas, a idéia da inferioridade negra sobrevive de forma latente na sociedade brasileira, fato comprovado em alguns minutos de conversa em qualquer roda de “esclarecidos”.


Segundo o último censo étnico racial da Universidade de São Paulo, apenas 1,3% de seus 38.930 alunos de graduação se declara negro. Na Bahia, onde 70% da população são negros, apenas 4% dos estudantes de medicina afirmam pertencer a essa etnia. Menos de 15% dos brasileiros com ensino superior completo são negros. Nesse aspecto, a exclusão racial é paralela à social, já que a maioria desse segmento étnico compõe-se de famílias de baixa renda.


Algumas políticas estão sendo implementadas pelo governo federal e pela sociedade organizada para a inclusão dos negros em espaços antes exclusivos dos brancos. As cotas raciais estão nas universidades públicas, nos desfiles de moda, na televisão, nos debates políticos. Contudo, muitos veem esse esforço apenas como um paliativo segregacionista que pode dar margem a uma divisão racial no país.


O fato é que os 350 anos de escravidão negra no Brasil ainda geram graves injustiças. A busca de alternativas para minimizá-las demorou para começar: restrito aos meios políticos e acadêmicos e às camadas mais esclarecidas da sociedade, o debate sobre a definitiva inclusão de nossa população negra ainda não ganhou as ruas. Os três séculos e meio de escravidão continuam a dividir os brasileiros entre os que servem e os que são servidos, levando-se em conta apenas a cor da pele.

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