domingo, 22 de março de 2009

Poder público e vida privada

O escritor britânico George Orwell já havia vaticinado sobre a constante vigilância na qual os cidadãos estariam imersos num futuro próximo. Vigiados todo o tempo, nem mesmo o simples e corriqueiro pensamento passaria despercebido dos instrumentos do Estado que, para zelar pela ordem e pela manutenção do poder, fiscalizariam e puniriam o mínimo descuido dos desavisados.

O homem público, seja ele o presidente, governador, juiz ou prefeito, sofre da observância constante de seus comandados. Estes, ansiosos por exemplos ou deslizes, buscam em cada ação ou palavra uma maneira de destrinchar sua personalidade, de despi-lo da aura que o posto o confere. Há muito tempo os cargos máximos deixaram de representar a escolha divina, mas ainda mantêm, pela tradição ou ignorância, o simbolismo da hierarquia.

Relegando a conduta primitiva apenas aos livros de História, os seres humanos deixaram de escolher seus representantes pela força ou virilidade. Escolhe-se o líder pelas virtudes administrativas, pelo zelo ao erário, pelos projetos a serem empregados e outros requisitos essenciais às democracias modernas.

Na tradição administrativo-latina, não se elenca entre as prioridades requeridas aos postulantes de cargos públicos sua vida pessoal. Problemas familiares ou conjugais não o gabaritam a ser melhor ou pior na administração de um governo. A vigilância puritana, típica de um país anglo-saxão, de mentalidade conservadora, trata as infidelidades ou condutas “moralmente adversas”, como assuntos de Estado.

Condutas ilibadas no âmbito pessoal não gabaritam um homem público. Temos como exemplo o antigo chanceler do Reich alemão, Adolf Hitler. Homem de vida privada íntegra, amante dos animais, antitabagista, vegetariano, admirador das artes. Foi responsável pela morte de 6 milhões de judeus entre outras atrocidades cometidas em seus 12 anos no poder. Podemos lembrar também a rainha do império inglês, Elisabeth I, conhecida como “a virgem”. Governou seus súditos com mão de ferro, manteve uma dura perseguição religiosa e incentivou indiscriminadamente a pirataria em seu reinado.

Há inúmeros casos na história brasileira que confirmam a péssima relação em vincular a vida privada à esfera pública. Basta lembrar o jogo sujo elaborado por Fernando Collor nas eleições de 1989, na qual usou a ex-namorada do então candidato Lula para acusá-lo de uma suposta tentativa de aborto, caso comprovadamente falso. Para os que possuem memória curta, há também a pergunta capciosa de Marta Suplicy sobre a vida pessoal de Gilberto Kassab, insinuando uma possível tendência homossexual do atual prefeito de São Paulo. Fatos deploráveis que, no mínimo, demonstram a péssima cultura política que impera no país.

O debate sobre a questão permeia a mídia por todo o mundo. Os limites entre vida privada e exposição, como assunto de interesse público, deve estar bem definido. Não há dúvidas de que ocupantes de cargos públicos estão sujeitos a questionamentos. Afinal são eles que administram o nosso dinheiro e criam leis que regem nossas vidas. Por isso deve haver prudência e bom senso. Entretanto, defendo a idéia de que análises sobre políticos e governos devem passar à margem dos problemas de foro pessoal, que, como se sabe, só dizem respeito aos envolvidos.

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