quarta-feira, 8 de julho de 2009

Toque de recolher: a terceirização da autoridade

O pensador inglês Thomas Hobbes, pressupondo que a natureza humana seja predatória, defendeu um governo forte e centralizador que pudesse conter os ímpetos individuais e instituísse severas penas àqueles que fugissem às regras e aos costumes ditados pelo príncipe. O monarca, escolhido dos deuses, saberia o que seria melhor aos súditos.

Platão já delegara aos filósofos a plena direção da cidade; criou uma “ditadura aristocrática” pela qual os mais aptos guiariam a plebe. Salvo raros momentos, a humanidade sempre teve defensores da forte regulamentação da conduta humana. Esse pensamento parte da ideia de que o cidadão comum deva ser guiado como um portador de necessidades especiais numa rua movimentada. Os “olhos do Estado” conduziriam a grande massa, que não sabe se portar.

De tempos em tempos esse preconceito ressuscita. Partindo-se do que deve ser o “costume correto”, fazem-se leis tendenciosas, muitas vezes inspiradas em modismos, sem uma reflexão mais acurada. Formulam-se comportamentos padronizados, os quais todos devem acatar. Nessa liberalidade enquadra-se o toque de recolher.

Alguns legisladores e uns poucos formadores de opinião, partindo de convicções pessoais sobre a conduta correta da juventude local, classificaram como providencial a limitação de horário para a presença de adolescentes nas ruas da cidade. Alguns pais, usando a lei como muleta pedagógica, sentem-se amparados pela participação do Estado na criação dos filhos. E corre-se o risco de se terceirizar a autoridade.

A liberdade individual e a vida privada são fundamentos da democracia. Autorizar o poder público a regular a criação dos filhos é perigoso, pressupõe que os pais não podem fazê-lo e que seus filhos devem ser tutelados. O Estado de fato tem o direito de regular a conduta dos cidadãos, mas desde que haja alguma infração ou exista risco para o indivíduo ou para a comunidade. A imposição de horários para circulação de pessoas nas ruas infringe o direito de ir e vir, o que é concebível apenas em situações de exceção.

O toque de recolher é uma medida paliativa para cidades que têm sérios problemas de violência e drogas, o que não é o caso de Adamantina. Já existem outros mecanismos para regular a vida dos jovens da cidade, que saem à noite com a concordância dos pais. E é dever dos órgãos públicos municipais fiscalizar a entrada dos adolescentes em estabelecimentos inapropriados à sua idade, bem como retirar das ruas aqueles que possam causar dano à integridade dos demais.

Policiamento efetivo, fiscalização, campanhas educativas são importantes meios de que pode se utilizar o poder público para evitar problemas. Cerceamento à liberdade é autoritarismo, significa impor à coletividade padrões de convivência particulares.

É importante portanto que recusemos o toque de recolher e que medidas efetivas sejam cobradas da municipalidade para que nossos jovens possam desfrutar a vida social que, em consenso com os pais, entendam mais adequada.

3 comentários:

Silvio Graboski disse...

Olá Bruno!
Parabéns pelo artigo. Concordo inteiramente com vc.

Bruno Pinto Soares disse...

Olá Silvio,

Obrigado pela manisfestação. Entretanto tenho certeza que nossa opinião é minoria na cidade. Quem sabe as vozes dissonantes não mudam alguma coisa.

abraço

Gabriela disse...

Consciência e discernimento falam alto neste ótimo artigo.
Concordo com a opinião no que diz respeito à Adamantina... Aqui seria "coisa para inglês ver", algo para simplesmente "mostrar serviço", serviço este que deveria ser mostrado sim, mas da forma descrita pelo artigo...
Abraço!