quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Artigos e discriminação em Adamantina

A intensa liberalidade do mundo atual cria a falsa impressão de que os direitos individuais estão garantidos e que qualquer manifestação contrária não ganhará meia dúzia de adeptos. Mas a vigilância sobre o comportamento social se mantém como prática institucionalizada; a defesa do toque de recolher e a proibição de fumantes nos estabelecimentos comprovam a tese.

Em recente artigo um líder religioso escreveu no jornal Diário do Oeste: “O movimento homossexual continua a impulsionar suas ações, confirmando tragicamente a descida cada vez mais intensa para dentro da espiral mortal [...] A Suprema Corte de Iowa anulou a proibição do casamento gay em abril de 2009. É degradante! É o fim de uma civilização exemplar e decente.”

As palavras do religioso lembram os discursos de regimes totalitários, que defendiam uma concepção de sociedade perfeita e de homens perfeitos. Para esse gênero de discurso, qualquer comportamento contrário seria degradante. Anula-se o indivíduo e padroniza-se o pensamento. Se trocar homossexual por judeu, o artigo de Adamantina muito se assemelha à propaganda nazista.

A presente questão não deve centrar-se apenas no debate da homossexualidade, e sim no direito do indivíduo de escolher, por meio da própria racionalidade, o que entende ser melhor para sua vida. O religioso usa a liberdade de expressão para negar a liberdade sexual, ato íntimo e que diz respeito apenas à vida privada. Classificar como trágico e degradante o movimento homossexual é uma opinião que deve ser reservada a si mesmo, e não imposta a todos os adamantinenses que buscam um jornalismo tolerante e pluralista.

Daniele Hervieu-Léger, socióloga francesa, escreveu recentemente que “uma instituição religiosa não pode prescrever aos fiéis práticas e comportamentos que os conduziriam à contravenção das leis”. A figura do líder religioso tem um grande poder mobilizador, ainda mais em cidades interioranas. Suas palavras, muitas vezes, valem mais do que as das autoridades e dos familiares.

Por isso deve haver ponderação em certos assuntos, principalmente os que levam a práticas discriminatórias. O bullying nas escolas, as perseguições, os espancamentos contra homossexuais, são fatos reais que mostram o quanto essa questão deve ser debatida; o quanto esse tipo de preconceito deve ser desestimulado.

Brüno, mais recente filme do comediante Sacha Baron Cohen, ganhador do Globo de Ouro, satiriza o mundo fashion e a percepção da homossexualidade em certos grupos. Numa das cenas mais hilárias, o protagonista se encontra com um pastor que promete fazê-lo heterossexual. Quem assiste ao filme ouve com espanto os conselhos do clérigo americano. Mas as risadas constrangidas da plateia mostram que as absurdas ideias do filme podem estar mais próximas do que se imagina.

2 comentários:

Mauro Cardin disse...

Belo texto, Bruno! Concordo com quase tudo o que você escreveu. Parabéns!

Bruno Pinto Soares disse...

Olá Mauro,

Agradeço o elogio, mas gostaria de saber quais pontos você não está de pleno acordo.

O debate ficaria mais frutífero, ainda mais se tratando de um assunto de grande importância como a liberdade de expressão e a tolerância na cidade.

Grande abraço