quinta-feira, 19 de março de 2009

Qual mulher relaxa com detergentes

Como se já não bastasse carregar pela eternidade a culpa de ter nos condenado a viver fora do paraíso por ter coagido Adão a comer uma maçã. Como se fosse fácil receber inexplicavelmente salários menores do que os homens, em um sistema social que a trata como objeto – em alguns momentos elas mesmas acreditam que são objetos. As mulheres que conheço não concordaram em nada com: “A Máquina de lavar e as mulheres – ponha detergente, feche a tampa e relaxe”.
Pra quem não viu, o título acima pertence a um artigo publicado por – pasmem – uma mulher em um jornal religioso. Nele a autora defende que a pílula anticoncepcional, o direito ao aborto e o direito de trabalhar fora de casa fizeram menos pela liberação da mulher do que a revolucionária e barulhenta máquina de lavar. E mais: a justificativa é nauseante: “a mulher pode agora tomar um capuccino com as amigas enquanto a roupa é batida”.
Até o leitor mais desatento percebe um tom de auto-preconcento nas entrelinhas. A maior alegria de uma mulher seria, além de suavizar suas tarefas de dona de casa, o glorioso momento em que todas as amigas se reuniriam para tratar de banalidades. Este sentimento de quase auto-flagelação infelizmente ainda é encontrado no mesmo ano em que uma das principais obras sobre a condição da mulher, “O Segundo Sexo”, da francesa Simone de Beauvoir, completa sessenta anos. Neste livro, polêmico para a época, a autora queria demonstrar que a própria noção de feminilidade era uma ficção inventada pelos homens no qual as mulheres, no fim, consentiam. Triste que este retrato permanece atual. Insiste ainda o ridículo pensamento que mulher é um ser mais frágil, inferior, o sexo segundo, que deve somente cuidar da casa e dos filhos.
Talvez a autora do artigo precisasse ler o livro de Beauvoir. Não só ela, mas todas as mulheres. Quem sabe assim é possível entender que antes da maquina de lavar e de qualquer eletrodoméstico, mais importante para a luta pela liberdade feminina foi o ato daquelas mulheres em 1857. Elas exigiam apenas a redução da jornada de trabalho de 16 para 10 horas diárias e salário igual ao dos funcionários do sexo masculino (as mulheres ganhavam até um terço do salário de um homem) e foram trancadas dentro da fábrica de tecidos que trabalhavam em Nova Iorque. A polícia ateou fogo no prédio e 130 mulheres aproximadamente morreram carbonizadas. Este dia foi oito de março. Mesma data da publicação do artigo que exalta a invenção do eletrodoméstico.
Frente a esta tragédia, o artigo publicado pela igreja soa como absurdo. As mulheres hoje não são as mesmas mulheres que não podiam responder às ordens arbitrárias de seus maridos há cinqüenta anos atrás. Pra quem ainda não sabe a mulher já pode pensar e fazer valer o direito de ser feliz, de ser independente e, sim, de ter uma vida sexual prazerosa. Por mais que denominações religiosas as condenem, como condenaram Beauvoir, as mulheres das fábricas e tantas outras anônimas do nosso cotidiano que sustentam pela garra sua família e sua prole. Nenhum eletrodoméstico é menor do que qualquer direito adquirido pela mulher. Seja o direito de trabalhar ou o direito de sorrir.
Por isso, meu caro, você que é marido, namorado, filho, amante, jamais dê de presente para sua amada um jogo de panelas no aniversário, um fogão no dia dos namorados ou uma cortina para sala no aniversário de casamento. Um buquê de flores faria bem melhor.

7 comentários:

Bruno Pinto Soares disse...

Grande Eduardo,

Esse é o típico comentário conservador e retrógrado que ecoa em certos grupos religiosos. Uma pena ser incorporado por alguém do gênero feminino.

Depois não gostam quando as críticas ficam ácidas. São tantos escândalos que esse fato passou batido, mas não despercebido.

abraço

Jé Theodoro disse...

Geeeente, vcs não estão considerando a diversidade de opniões. Acredito que, se uma pessoa sente prazer em tomar um capuccino enquanto a maquina faz o serviço pesado que até então ela faria, qual o problema!? Não é valido pensar que uma vida feminina moderna só pode ser completa se a mulher trabalhar fora, ser independente, votar, etc... O comentario da dita colunista é valido para a realidade que ela vive, por tanto, acima de julgamentos.

Anônimo disse...

Um texto sobre os direitos, liberdade e igualdade da mulher, e sem ser clichê.. adoreeei!

;-*

Eduardo Ross disse...

Entendo e defendo que qualque pessoa tenha o direito de escolher a sua felicidade, desde suas perspectivas sejam amplas. Penso que uma mulher possa ser loucamente feliz com um microondas, uma cafeteira, desde que ela tenha plena consciência de que ela pode ter outras felicidades que ultrapassam operar eletrodomésticos. Que ela saiba que ao contrário do que aprendeu desde criança, ela não precisa colocar a felicidade e conforto do marido acima do próprio. É justamente esta realidade que ela vive, assim como a realidade dos oprimidos e injustiçados, que precisamos nos esforçar para modificar.

Jé Theodoro disse...

Eu pensava assim tb, que as pessoas precisam de ajuda e td mais, mas de um tempo para cá percebi que cada um faz aquilo e tem aquilo q quer, tudo é tão relativo nesse assunto que entramos, e se a felicidade da esposa é fazer o marido feliz!? E se a felicidade do marido é fazer a mulher feliz? Não a nada a ser modificado no campo emocional das outras pessoas, o simples fato de de levantar o assunto já é machismo, ou feminismo, ou qual quer outro achismo, para mudar alguma coisa nesse aspecto seria nescessario a mudança em toda a cultura e ai não cabe qualquer intervenção se não aquela axercida pelo tempo.

Eduardo Ross disse...

A centro de discussão do texto gira em torno de que a mulher PODE e DEVE ser feliz. Tanto que finalizo com uma alegoria romântica que trata destas tuas duas perguntas. Se ela sabe que, ao contrário dessa praxis social que a inferioriza, a rebaixa, que como você também acredito ser muito dificíl de excluir pela raiz, ela não é somente o segundo sexo, que ela é igual em direitos e deveres e o homem também tem essa consciencia, qual o problema de ela criar os filhos em casa? Nenhum! O problema é que, como voce sabe, pre-conceitos que avexam as minorias: índios, negros, pobres. Já dizia Beauvoir, elas acabam por fim acreditando que são realmente inferiores.
Abraço!

Bruno Pinto Soares disse...

Pessoal, me enche de alegria perceber que o debate voltou ao Ágora.

Sobre o assunto, a questão maior não se refere ao conceito de felicidade feminina, que na verdade é extremamente amplo, subjetivo e necessita de uma maior contextualização. O que se discute aqui é a opinião da articulista em reafirmar que a condição feminina está relacionada ao trabalho doméstico e ao ócio.

A mulher dita "moderna" não precisa ser mãe solteira, ganhar mais que os homens, ou andar sem calcinha para se impor como gênero libertário. Mas associar a bela história de luta pela igualdade de gênero e de libertação feminina, que por sinal ainda está incompleta, a um eletrodoméstico, é sabidamente reducionista e merece sim críticas.

Abraço a todos!