sexta-feira, 7 de agosto de 2009

A mágoa em cidade pequena


Desde menino o senhor Ressentido mora na mesma cidade. Em 1982, ele e Pedro tiveram um atrito; hoje quando ele cruza com Pedro, finge que não vê. Em 1984, João apoiou um mau político adversário de Ressentido só para tirar vantagem; desde então, Ressentido o despreza. Em 1987, Ressentido ouviu dizer que Tião falou mal dele; como já tinha havido um boato desses em 1979, ainda hoje Ressentido não entra onde Tião esteja. Em 1991, Paulo fez pouco-caso de Ressentido, que a partir daí não quer vê-lo nem pintado de ouro...

Essas mágoas, mais as da infância, as da vida de moço e uma infinidade de outras foram se acumulando até fazer de Ressentido um amante do quarto escuro, do telefone mudo e do muro alto.

O fato é que, numa pequena cidade, onde as mesmas pessoas frequentam os mesmos espaços a vida inteira, o ressentimento é mais presente e incômodo. Quanto menor o lugar, mais mágoa. A pequena comunidade em que a amizade une a todos num laço comum de bem-querer até existe, mas na imaginação de quem vem da capital passear.

Está certo, a mágoa é uma defesa natural como qualquer outro instinto, mas não deixa de ser de boa estratégia relevar certas coisas e conviver com todos, mesmo que se tenha maior aproximação só com alguns poucos escolhidos. Falo aqui de conveniência, não de perdão, palavra que apenas designa uma nobre intenção. Calar a mágoa talvez seja algo para uma espécie bem superior à nossa.

Se o rancor diminui é porque a pessoa que magoou perdeu a importância para o magoado, não porque ele decidiu perdoá-la. Quem tem poder sobre os próprios sentimentos? “Engana-se aquele que acredita que os grandes personagens possam esquecer as velhas injúrias em virtude de novas vantagens”, disse Maquiavel. É verdade, mas ele se enganou em restringir-se aos grandes personagens. Por acaso, os “pequenos” personagens pertenceriam à mesma espécie dos ursinhos de pelúcia?

No sentido que dissemos, perdão, esquecimento e descaso são sinônimos e nenhuma dessas palavras tem relação com bondade ou maldade. A pessoa que convive apesar da mágoa é aquela que entende que a mágoa não precisa impedir o relacionamento com alguém; até porque ela também precisa da tolerância dos outros. Não é boazinha, mas apenas uma pessoa prática, que gosta de si mesma e de ver as coisas andarem. E, convenhamos, a tolerância não só é um esforço em favor do bem comum como também uma demonstração de civilidade.

6 comentários:

Bruno Pinto Soares disse...

Olá Mauro,

Como de costume, seus textos nos fazem viajar pela cidade. Na pequena convivência que tenho "no mundo adulto", como você gosta de afirmar, vejo vários "Ressentidos" por aqui. Uns mais explícitos, outros nem tanto.

A convivência que você exalta faz parte dos espíritos maduros, algo que independe da idade de nossos amiguinhos.rs

Quem sabe o poder modificador do texto não ilumine algumas almas perturbadas de nossa cidade. Adamantina precisa de amor!!haha

Grande abraço

Caçador de boto disse...

Você é o cara,pena que na cidade não temos outros pensadores com vosso discernimento.Feliz volta ao blog.

Londrina disse...

Querido Mauro!
Nem preciso dizer que você está com a razão. Aliás, você sempre está com a razão. É só olhar para o rol de colaboradores do blog no lado esquerdo da tela para entender esse belo artigo.
Abraços.

Mauro Cardin disse...

Obrigado ao Bruno, ao "Caçador de botos" e ao Londrina pelo estímulo.
O tema da mágoa é muito vasto e complicado; me esforcei para dizer as coisas mais importantes, mas não sei se consegui. Eu queria falar da mágoa também como importante elemento na política, mas "não coube" (o texto ficaria muito longo). Fazer o quê?, no fundo escrever é selecionar o que cabe e o que não cabe...
Abração pra todos!
Mauro

Gabriela disse...

Texto certeiro. Poucas palavras que conseguiram explorar o "vasto e complicado" tema.
"Esquecer" a mágoa em uma cidade pequena é um bom primeiro passo pra quem viver bem e em paz. Em todos os âmbitos...
Abraço e parabéns!

Mauro Cardin disse...

Obrigado, Gabriela. Legal o seu comentário! Este é realmente um tema vasto e complicado, como você disse. Quanta coisa se poderia falar sobre ele!
Abraços,
Mauro