segunda-feira, 21 de julho de 2008

Cuidado! Não é hora de “abracadabra”...

“Brasileiro sabe votar”. Os leitores mais velhos devem recordar essas palavras proferidas pelo Sr. Edson Arantes do Nascimento. Os anos eram sombrios, estávamos sob pesado tacão militar e, para muitos, principalmente para a esquerda e simpatizantes, elas serviram para justificar a continuidade e – quem, então, poderia saber? – a permanência do governo autoritário de exceção. Lutava-se, na oposição, dura e bravamente, pela democracia representativa, que o horizonte revolucionário já desaparecia na névoa sinistra do extermínio e da tortura como política de Estado.
O tempo faz das suas: hoje, em praticamente todos os pronunciamentos oficiais e não- oficiais, voltados para políticas públicas de toda ordem, a expressão mais ouvida é “exercício da cidadania”. Como é sabido, a repetição exaustiva de qualquer signo lingüístico resulta em esvaziamento semântico. Experimente repetir, em voz alta, uma palavra por 60 segundos, sobrarão sons ocos de qualquer significado. Com “cidadania” começa a acontecer algo parecido. Mas é preciso ficar atento, seu esvaziamento trará um grave prejuízo para todos.
A propósito de que essa digressão? O exercício da cidadania, depois da penosa democratização, construiu-se em necessidade urgente para a consolidação efetiva do processo “democratizante” em que mergulhou o país nos últimos anos. Ouve-se muito também a palavra “inclusão”, que já vai cansando. Dá no mesmo. Ora, tais aborrecidas insistências não fariam sentido se a população brasileira gozasse plenamente de seus direitos constitucionais. O que, como todo mundo sabe, não ocorre. Há sutis formas de seqüestrar esse gozo.
Assim, o país parece padecer de curiosa esquizofrenia: o mesmo poder público que não perde a chance de apregoar seu emprego na “luta pelo exercício da cidadania” opera um número significativo de ações – ou simplesmente omite-se – que subtraem do brasileiro o necessário e procurado amplo “exercício”. Pense nos imensos problemas das áreas da saúde, educação, justiça e segurança. É de chorar. A retórica vazia mata aos poucos, mas é fatal como a degola, ora em moda.
Bem, voltemos a Pelé, ou melhor, a Edson Arantes: hoje, mais conscientes do abandono a que vem sendo largado, por séculos, o grosso da população, já não nos parecem tão absurdas as palavras que abrem este texto. Só poderia dar nisso. Lembremos que o direito de voto não constitui, em si, exercício pleno de nada. Até porque a reforma de nosso sistema eleitoral – urgente e imprescindível – tem sido evitada a qualquer preço pelos legisladores da ocasião. Vai ficando para um eterno depois. Enquanto isso, as eleições são “maquinadas” nos caldeirões das bruxas “marqueteiras”. Um teatro de mídia.Ocorre que o eleitor não é um ente passivo e o Estado muito menos um incontrastável pátrio poder. Cabe a nós a recusa permanente e atenta dessas viciadas práticas políticas e eleitorais. A transformação a se exigir não virá por mágica ou generosa concessão de poderosos com suspiros cristãos. A coisa toda pode estar começando no singelo instante em que o munícipe principia a olhar para o que restou da cidade, continua numa verificação exigente (não dói nada) dos espíritos públicos e visíveis nas ações efetivas, prossegue mais um pouquinho no gesto das urnas, e vai, para muito adiante, através do bastão passado às gerações futuras. Não abandonemos o barco.

6 comentários:

Everton Santos disse...

Este é meu primeiro texto publicado no Ágora. Espero que aprecie... se não gostar, pelo menos comente. Abraços e boa leitura!

Henrique Toffoli disse...

bem vindo Everton...
parabens pelo artigo...
preciso fazer o mesmo: ESCREVER!

Sebar disse...

debater temas relacionados com a conjuntura política em terras tupiniquins é um desafio neste novo tempo que se chama hoje, porém, faz-se necessário estar em conexão com temáticas afins ao momento político para um olhar mais adiante sobre o País do faz de conta...
Sebar

Anônimo disse...

Everton belo artigo, no caso do marqueteiro o papel dele é mais de dar um norte à campanha do candidato do que alterar seu resultado mais provável, um abraço

Anônimo disse...

Oi Everton,

Parabéns pelo artigo. Gostei do termo "teatro de mídia". Me assusta saber que o povo gosta de ser enganado por esses teatros: preferem ficar na platéia do abandono, assistindo tudo e recebendo em troca merrecas assistenciais. A consciência política e a vontade de mudar é nula.
Abraços.

Sebar disse...

com as alterações relacionadas com a legislação eleitoral, será necessário a profissionalização na área, assim, abrem-se as cortinas para todos os lados, ou seja, interessados e interesseiros, sem mais e sem menos, talvez, em muitos casos, sem menos com sem mais ou vice-versa...